Importância da correta definição dos objetivos de uma pesquisa de marketing

Introdução

Para decisões de marketing produzirem impacto real é essencial começar pelo lugar certo: a definição precisa dos objetivos da pesquisa. Na prática, objetivos bem definidos delimitam o problema, orientam o desenho metodológico, definem indicadores de sucesso e protegem o processo contra vieses que distorcem conclusões.

Objetivos mal formulados, por outro lado, geram estudos extensos e caros, que respondem à pergunta errada, criando confiança injustificada em recomendações frágeis.

Do ponto de vista estratégico, objetivos claros conectam explicitamente os resultados de pesquisa a escolhas de portfólio, posicionamento, precificação e desenho de experiência do cliente.

A literatura mostra que a forma como um problema é formulado condiciona respostas, riscos percebidos e decisões subsequentes; portanto, explicitar a “pergunta que importa” e seu contexto é pré-requisito para interpretar evidências com rigor e pragmatismo.

Isso implica transformar “objetivos genéricos” em enunciados operacionais, mensuráveis e alinhados a decisões específicas. Em vez de “entender o consumidor”, por exemplo, o objetivo pode ser “estimar o impacto incremental das mensagens de valor X e Y sobre a intenção de compra no segmento A, em 8 semanas”. Essa precisão afeta diretamente a seleção de amostras, o desenho experimental, a qualidade de dados online e a escolha de métricas comparáveis ao longo do funil.

Este artigo apresenta uma revisão sobre a importância da correta definição dos objetivos de pesquisa de marketing e suas implicações para resultados e execução.

Reunimos evidências de diretrizes profissionais, estudos sobre enquadramento de problemas e efeitos de “framing”, pesquisas sobre definição de metas (goal setting) e trabalhos recentes em agilidade do cliente e uso de análise de dados em larga escala (big data analytics) para vincular objetivos a decisões de negócio e desempenho organizacional.

O foco é aplicado: mostramos como traduzir a literatura em checklists operacionais, critérios de qualidade e recomendações práticas para comissionar, conduzir e usar pesquisas que, de fato, movem a agulha de resultados.

Metodologia

Revisão narrativa, combinando três eixos:

1)     Diretrizes profissionais para comissionamento e qualidade amostral em ambientes digitais;

2)    Literatura de enquadramento de problemas e efeitos de enquadramento em risco e decisão;

3)    Evidências sobre definição de metas e sobre como capacidades analíticas e agilidade do cliente conectam objetivos a desempenho.

Os critérios de inclusão consideraram relevância aplicada, atualidade e diversidade metodológica (revisões sistemáticas, meta-análises, diretrizes, estudos empíricos).

Selecionamos 14 fontes publicadas entre 2010 e 2025, com ênfase em revisões recentes e guias profissionais que orientam decisões no ciclo de pesquisa de marketing.

As categorias de extração incluíram: tipo de decisão suportada, como os objetivos foram formulados, implicações para desenho da pesquisa (amostra, instrumento, métrica), riscos de viés e recomendações acionáveis.

A síntese agrupou achados por quatro constructos: enquadramento do problema, qualidade e coerência metodológica, definição de metas e alinhamento a desempenho, e capacidades analíticas e agilidade do cliente.

Resultados

1) Enquadramento do problema orienta objetivos e inovações

Decisões de marketing frequentemente patinam porque a pergunta inicial foi mal enquadrada. A revisão sobre processo criativo de enquadramento do problema em inovação mostra que equipes que iteram ativamente a formulação do desafio chegam a soluções mais originais e úteis, pois definem “o que precisa ser aprendido” com mais precisão e alinhamento ao valor para o cliente [1]. Do ponto de vista estratégico, isso significa construir objetivos de pesquisa que expressem explicitamente: o contexto (mercado/segmento), a lacuna de conhecimento, a hipótese de criação de valor e o horizonte temporal de decisão. Revisões adicionais sobre sucesso e fracasso em inovação reforçam que a maneira de enquadrar objetivos condiciona os critérios de avaliação de sucesso, reduzindo a probabilidade de iniciativas “sem dono” ou metas conflitantes [2]. Para gestores, isso implica que o objetivo não é só “medir algo”, mas “definir o problema certo” — em termos de resultado de negócio.

A literatura de efeitos de enquadramento em escolhas arriscadas indica que pequenas variações de formulação (ganhos versus perdas) alteram preferências e avaliação de risco [3,7]. Aplicado à pesquisa, objetivos formulados em termos de “evitar perdas de market share” versus “capturar ganhos de participação” podem induzir vieses nos próprios instrumentos e nas interpretações. Assim, declarar a lógica de decisão (mitigar risco de canibalização? maximizar arrecadação por cliente?) é parte do objetivo e orienta o desenho neutro de questionários, roteiros qualitativos e testes.

2) Qualidade de amostra e coerência de mensuração derivam dos objetivos

Diretrizes profissionais como as do ESOMAR e da Global Research Business Network detalham padrões para qualidade de amostras online e melhores práticas de comissionamento [10–12]. Na prática, objetivos bem especificados determinam: qual universo amostral é pertinente; quais quotas asseguram representatividade para decisões; e quais checagens de fraude/qualidade são imprescindíveis em painéis digitais. Objetivos fluidos frequentemente levam a “amostras convenientes”, incompatíveis com as inferências desejadas. Já objetivos operacionais — por exemplo, “estimar o efeito incremental de campanha em mães de 25–34 anos, classe B, no Sudeste” — definem claramente requisitos de amostragem, tamanho mínimo por célula e testes de atenção.

Outro ponto é a coerência de mensuração. Relatórios como o da Nielsen defendem consistência de métricas entre canais para tornar comparáveis as leituras de desempenho [13]. Objetivos bem definidos indicam quais métricas são “resultado” (p.ex., vendas incrementais), quais são “mecanismos” (p.ex., lembrança publicitária) e quais são “condições” (p.ex., alcance mínimo). Essa distinção ajuda a evitar indicadores substitutos inadequados e a reduzir a tentação de “pescar significância” posterior.

3) Definição de metas (goal setting) como ancoragem comportamental

A meta-análise sobre definição de metas em desempenho mostra efeitos positivos robustos quando metas são específicas, desafiadoras e acompanhadas de feedback [4]. Traduzido ao contexto de pesquisa de marketing, objetivos específicos orientam equipes e fornecedores em prazo, padrão de evidência e critério de decisão. Do ponto de vista estratégico, transformar a demanda difusa “avaliar a campanha” em uma meta de aprendizagem (“quantificar o lift de conversão de X p.p. no segmento Y, com poder estatístico ≥80%”) aumenta adesão aos prazos, foco analítico e disciplina de relato. Sem isso, a probabilidade de ajustes pós-hoc cresce, comprometendo validade e comparabilidade.

Além disso, estudos mostram que discrepâncias de formulação entre alternativas geram parte dos efeitos de enquadramento em escolhas arriscadas [7]. Em pesquisa, metas que pedem “confirmar” em vez de “testar” podem induzir formulações assimétricas de opções e vieses de confirmação. Objetivos redigidos em linguagem de teste (“avaliar se A difere de B em Z pontos, IC95%”) mitigam esse problema.

4) Capacidades analíticas e agilidade do cliente conectam objetivos a desempenho

Pesquisas recentes indicam que capacidades de análise de dados em larga escala, quando combinadas com agilidade do cliente, elevam satisfação e desempenho sustentáveis [5,6,8]. Para gestores, isso significa que objetivos de pesquisa devem ser modulados pelas capacidades disponíveis: onde há dados proprietários ricos e ciclos curtos de decisão, objetivos podem trazer granularidade maior e janelas de mensuração mais frequentes.

Onde há limitações, objetivos devem priorizar hipóteses de maior alavancagem. Em contextos de desenvolvimento de produto, a combinação de agilidade do cliente e análises avançadas aumenta a velocidade de aprendizagem sobre necessidades e trade-offs, desde que os objetivos delimitem o “grande desconhecido” (por exemplo, elasticidade a atributos específicos) e definam critérios claros de avanço de estágio.

5) Ferramentas de pensamento e segmentação orientadas pelo objetivo

O uso de pensamento de design (Design Thinking) como ferramenta de estruturação e segmentação em redes sociais mostra que técnicas de cocriação e prototipagem ajudam a refinar objetivos iterativamente, conectando-os a clusters acionáveis [9]. Em outras palavras, quando os objetivos pedem “diagnosticar alavancas de valor por segmento”, abordagens de descoberta guiadas por protótipos e feedback rápido tornam a investigação mais focada e o aprendizado mais relevante para decisões de marketing e produto.

6) Diretrizes de comissionamento aumentam alinhamento e governança

Por fim, guias de comissionamento sugerem que o documento de objetivos de pesquisa deve explicitar escopo, restrições, perguntas secundárias, entregáveis, critérios de qualidade e responsabilização [11]. Para gestores, isso implica incorporar no objetivo: a decisão que será tomada, a janela temporal, o padrão de evidência necessário e as trade-offs aceitáveis (custo, prazo, precisão). Sem esse nível de definição, a governança degrada e o risco de retrabalho cresce.

Discussão

Começando pelo que importa ao executivo: formular objetivos de pesquisa é uma atividade de design decisório, não um formulário burocrático. A seguir, traduzimos os achados em implicações práticas estruturadas.

1) Comece pela decisão, não pela pergunta genérica. O objetivo de pesquisa deve nascer de uma decisão concreta — investir mais no canal A ou B, lançar a versão X do produto, adequar preço, reposicionar mensagem. Escreva a decisão como frase mãe e derive o objetivo como necessidade de evidência: “Para decidir entre A e B, precisamos estimar o efeito de cada alternativa sobre Y, controlando Z”. Isso reduz ambiguidade, orienta amostra e define análise. A literatura de enquadramento em inovação e decisões mostra que clareza sobre o problema e os critérios de valor gera soluções e insights mais úteis [1,2,3].

Checklist prático:
a) Qual decisão será tomada?
b) Qual hipótese central precisa de teste?
c) Qual métrica conecta a evidência ao resultado de negócio?
d) Qual precisão mínima é aceitável?
e) Em que prazo a decisão ocorre?

2) Redija objetivos com componentes operacionais. Troque “compreender” por verbos operacionais: estimar, comparar, priorizar, mensurar, testar. Inclua população-alvo, variável de resultado, comparador e janela temporal. Ex.: “Estimar, entre mulheres 25–34 classe B no Sudeste, o lift de conversão da mensagem X versus Y em 8 semanas, com IC95% e poder ≥80%.” Essa redação orienta cálculo amostral, randomização e análise inferencial, além de reduzir o risco de “p-hacking”. A evidência sobre definição de metas sugere que especificidade e desafio adequado elevam desempenho e foco [4].

3) Neutralize vieses de formulação. Objetivos moldados em termos de evitar perdas podem alterar o tom do questionário, a seleção de alternativas e a interpretação dos resultados. A literatura de efeitos de enquadramento recomenda simetria: formular metas em linguagem de teste, com alternativas balanceadas e métricas comparáveis [3,7]. Em questionários, isso significa parear opções com igual granularidade e evitar redações que induzam aversão à perda sem necessidade.

4) Deixe a amostra “puxar” do objetivo. Uma amostra é “boa” se responde ao objetivo com validade externa suficiente para a decisão. Diretrizes de qualidade de amostras online reforçam padronizações de verificação de identidade, controles antifraude, quotas e rotinas de limpeza [10–12]. Logo, objetivos devem explicitar universos, subgrupos críticos e tamanhos mínimos por célula. Se o objetivo requer inferência por microsegmentos, planeje oversample e orçamentos compatíveis. Evite o erro comum de objetivos ambiciosos com orçamento e amostra incompatíveis.

5) Trate mensuração como arquitetura, não como acessório. A necessidade de “mensuração consistente” é central para comparar investimentos e criar séries históricas confiáveis [13]. Objetivos devem declarar o indicador primário (resultado), secundários (mecanismos) e condicionantes (inputs). Ao desenhar pesquisas de campanha, por exemplo, alinhe o objetivo com métricas de funil comparáveis entre plataformas, prevendo mapeamento entre sistemas. Isso evita divergências que corroem a confiança na evidência.

6) Alinhe objetivos às capacidades analíticas e ao ciclo de decisão. Estudos sobre agilidade do cliente e análise de dados em larga escala indicam que melhor desempenho emerge quando as metas de aprendizagem casam com a cadência organizacional [5,6,8]. Se a empresa opera com sprints quinzenais, objetivos de pesquisa devem produzir sinais acionáveis nesse ritmo; se o dado proprietário permite experimentos contínuos, o objetivo pode ser iterativo, com avaliações rolling. Por outro lado, quando capacidades são limitadas, priorize objetivos de maior elasticidade sobre o resultado, reduzindo dispersão de esforço.

7) Use pensamento de design para “lapidar” o objetivo. Oficinas de cocriação e protótipos rápidos ajudam a revelar suposições ocultas e a transformar “problemas nebulosos” em objetivos de pesquisa testáveis [9]. Em segmentação, por exemplo, esboços de personas e jornadas podem ser usados como hipóteses iniciais, com o objetivo formal da pesquisa sendo validá-las ou refutá-las com dados. Essa integração entre descoberta qualitativa e validação quantitativa encurta o ciclo de aprendizagem.

Riscos comuns e como evitá-los

·        Objetivos misturados: separe perguntas exploratórias das confirmatórias; faça estudos distintos ou etapas com critérios diferentes.

·        Escopo desalinhado ao orçamento: ajuste granularidade das estimativas ou amplie investimento.

·        Métricas que não “batem” entre canais: defina macrométricas equivalentes desde o objetivo.

·        Viés de confirmação: obrigue explicitamente testes simétricos; use linguagem de hipótese nula.

No conjunto, a literatura converge para um princípio simples: objetivos de pesquisa são “o design do aprendizado” que sustenta decisões de marketing. Quanto mais explícita, mensurável e alinhada à decisão for essa definição, maior a chance de que o estudo entregue clareza, comparabilidade e impacto.

Conclusão

Do ponto de vista executivo, a correta definição dos objetivos de pesquisa de marketing é um multiplicador de ROI decisório.

Ela molda o problema, seleciona a amostra certa, define a métrica que importa, reduz vieses e conecta evidência a escolhas.

A literatura mostra que a forma como formulamos perguntas altera o que vemos; a metanálise de definição de metas indica que especificidade e desafio adequado elevam desempenho; diretrizes profissionais garantem qualidade e governança; e capacidades analíticas e agilidade permitem ciclos de aprendizagem mais rápidos e úteis [1–12].

Isso implica institucionalizar um ritual de formulação de objetivos que comece na decisão, incorpore linguagem de teste, explicite métricas e construa critérios de qualidade amostral e de mensuração logo no briefing.

Em síntese, objetivos bem definidos são o “produto mínimo viável” de qualquer pesquisa que pretende impactar negócios: pequenos no texto, mas grandes na capacidade de orientar escolhas com confiança. Investir tempo e método nessa etapa inicial paga dividendos em todo o ciclo: do desenho à execução, da leitura à ação.

Referências

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7.      DeKay ML, Dou S. Risky-choice framing effects result partly from mismatched option descriptions in gains and losses. Psychol Sci. 2024;35(8):918–932. doi:10.1177/09567976241249183.

8.      Alyahya M, Aliedan M, Agag G, Abdelmoety ZH. Understanding the relationship between big data analytics capabilities and sustainable performance: The role of strategic agility and firm creativity. Sustainability. 2023;15(9):7623. doi:10.3390/su15097623.

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10.   ESOMAR; GRBN. ESOMAR/GRBN Guideline on Online Sample Quality. Amsterdam: ESOMAR; 2025. Available from: https://shop.esomar.org/what-we-do/code-guidelines/esomargrbn-guideline-on-online-sample-quality

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12.   Global Research Business Network (GRBN). Global Data Quality – Resources. 2025. Available from: https://www.globaldataquality.org/GDQ-resources

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